sábado, 20 de agosto de 2011

JOGA AS TRANÇAS, RAPUNZEL







Quando a moda sobe à cabeça, aí as coisas ficam diferentes; mas não é preciso se preocupar.


Há moda para os cabelos – pelo menos para os que têm a sorte de tê-los e, entre estes, até, por vezes, se reclama ora do calor, se os cabelos estão compridos, ou de como eles estão demasiadamente curtos, custando para crescer: e tudo isso faz parte da moda.


Um dia, o certo é tê-los lisos – e se já se os tem, naturalmente assim ou não, resultado de outra moda, encrespados, é hora de deixá-los com aparência escorrida; se eles já formam cachinhos e se diz que a moda agora é mantê-los lisos, quanto trabalho!

E essa moda de mudar a cada estação passou de fora da minha cabeça para dentro dela: troca-se de ideias – mesmo que não se as divida com mais ninguém – “esticando-as” para adaptá-las ao estilo vigente ou enrolando-as (e enrolando-se todo nisso) para lhes dar aquele aspecto de caracóis naturais, mesmo que não passe pela cabeça viver sempre assim, como um, encaracolado dentro de si mesmo.


Que os pensamentos mudem é tão saudável quanto cuidar bem dos cabelos, com a limpeza constante ou com cortes que (nos) façam sentir melhor (ainda que isso nos faça parecer apenas mais um entre tantos com cabelo assim). É preciso, porém, cuidar para que não se percam algumas ideias (quando se começa a perder os cabelos: alerta!) e que não se as lave com excessiva frequência: é bom ter alguns pensamentos “sujos” de vez em quando, até para destacar, pelo contraste, os limpos que, às vezes, só o são por causa de uma lavagem momentânea e tão superficial quanto estas ideias aqui, que ora me passam pela cabeça, talvez porque, a essa altura, independentemente da estação, quase só lhe reste ter ideias, certos pensamentos (ainda que errados, logicamente), já que os cabelos...


Sabe-se que os cabelos, quando somos jovens demais para nos preocupar com o que temos na cabeça, são, naturalmente, mais finos, com fios assim; mais tarde, a coisa toda engrossa, os fios se emaranham em “nós”, as ideias se confundem entre si, os pensamentos se misturam como um bando de caracóis despenteados.


De início, nossa cabeça é mais “verde”, não só porque esta é a cor que antecipa a madureza e as pré-ocupações, inclusive com os (próprios) cabelos, inclusive, como num pesadelo, com a perda deles, mas também por ser este, simbolicamente, o tom das esperanças: e até da esperança de ter sempre cabelos ou, numa cruel ironia com quem já não os tem como gostaria, de arrancá-los, menos por causa das preocupações que, enfim, chegaram, mas, sobretudo, porque assim, sem eles, ou com pouco deles, não se precisa mais ter de cortá-los, ou apenas fazer isso raramente, tornando-se, entre tantas, uma preocupação a menos.


Quantos cabelos fomos deixando ao longo do caminho!... Em relação aos pensamentos, como se pode ver, a diferença não é tanta, e isso me faz ser reconhecido a qualquer tempo como “aquele de cabelos curtos”, quando, na verdade, se pensa nas minhas ideias já fora de moda. Nunca fui mesmo de tê-los muitos, nunca fui de ter muitas ideias, embora, publicamente, procure exibir os que ainda tenho, as que ainda me sobram.


Os sujos (cabelos? pensamentos?) eu guardo só para mim, como recordação antiquada de uma época, já quase uma bizarra coleção desfiada.


CHICO VIVAS


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