terça-feira, 29 de junho de 2010

FERMEZ LA BOUCHE, CITOYEN!


Não tenho, decididamente, nada de herói(co). Num mundo que vive, sempre ela à espreita, com a ameaça de autoritarismo(s), quando não já nesse estado, embora sob disfarces democráticos ou legalistas, não é nada prudente me confiar qualquer segredo, uma informação preciosa: aos primeiros avanços – tal qual um adulto mascarado indo em direção a uma criança, ao menos uma que ainda não esteja anestesiada para os sustos pelos medos consumidos em série(s) -, abro logo o jogo e conto tudo. Só de imaginar pontas de cigarro, devidamente acesas, palitos afiados querendo contato carnal com a sensibilidade do que se guarda sob as unhas, ou uma eletricidade (que não seja o lugar-comum com o qual se expressam desejos insatisfeitos) percorrendo minha intimidade fisiológico-sexual, passo, quinta-coluna, para o lado de lá.


O mundo já conheceu tempos heroicos – e quase todos eles acompanhados do terror: no caso da Revolução Francesa, o próprio Terror, institucionalizado. E a arte, que deve passar à margem do jornalismo, do meramente factual (tanto quanto não se espera deste subjetivismos estéticos), sempre presente, registra, ao seu modo, os avanços e recuos da (nossa) humanidade, não raro, fazendo-se coadjuvante de um espetáculo no qual cede, sem cerimônia, sua primazia à ideologia.


Não é História: é arte. É História da arte: num dos seus mais famosos trabalhos, Jacques-Louis David, queridinho da revolução, retrata, literalmente (o que, em geral, salvo nos grandes talentos, empobrece a obra), a morte do cidadão Marat, apunhalado, e não pelas costas, pela fanática revolucionária Charlotte Corday que, se valendo da sedução ingênua de provinciana patriótica, entra no banheiro (salle des bains) de Marat e o golpeia. Antes, faz-se anunciar por um bilhete: e sua leitura, ainda na banheira, é o motivo da própria pintura de David. Diz ele (o bilhete):


“13 de julho de 1793

Marianne Chalotte Corday ao cidadão Marat:

Basta que eu esteja infeliz para ter direito a vossa benevolência”.


Tudo isto aqui está longe de ser arte. E, provavelmente, não te flagro na banheira. Violento que não sou, não trago comigo, camuflada em palavras, um punhal afiado. Mas, mesmo sem estar especialmente infeliz, conto com tua benevolência.


Acaba se surgir – para espanto dos que acreditavam mortos os movimentos (co)ordenados de massa, já ela integrada, pelos números, à nova classe média, que sequer se importa, suscetível que não é a isso, em ser designada por letras que não estão no começo do alfabeto – um novo cidadão: o cidadão-hashtag.


Agora, basta passar adiante, numa rede social, qualquer besteira com palavra de ordem contra o que se insiste ainda (coisa mais antiga!) em se chamar de “sistema” (utilizando-se de um, ainda que o “marginal” Linux), sem se perceber usuário, muitas vezes já levado ao vício do consumo continuado, dele próprio, ou fazendo de conta que, novo revolucionário romântico, como tantos outros no passado, se vale do sistema para destruir ele próprio, sendo mais honesto se agisse como um Tancredi pragmático (sem, certamente, o chame ainda juvenil de um Allain Dellon no filme de Visconti) explicando ao seu tio, o príncipe-Leopardo, porque, embora nobre, se bandeara para o lado do exército republicano de Garibaldi, que queria, claro, aparentemente, acabar com as regalias da nobreza, ainda que numa Itália dividida e empobrecida: Plus ça change, plus c’est la même chose”.

A essa altura, sem ambicionar os trend topics, já ouço um “cala a boca”. E se eu fosse mais cotidiano do que já sou, talvez também alvo de uma campanha (bem-sucedida, certamente) de “um dia sem...”.


Ficar um dia, dois dias, três, todos os dias sem televisão (uma em particular, ou todas) não deveria ser uma obrigação (cidadã?) autoimposta. Ninguém, salvo se isso se faz rigorosamente necessário, procura um hospital, não lhe passando pela cabeça entrar num só porque não tem o que fazer. Por que, então, ficar sem (ver) televisão, seja qual for ela, não pode ser um ato natural, resultado de aspirações que não encontram ali sua satisfação, a não ser que se guarde, com todo direito, em sua privacidade, gostos que, publicamente, não (se) pode exibir, porque isso seria estar se integrando demais ao...sistema.


Fazer o quê, sem TV?


Ler, ora!


Já fui um leitor compulsivo. Hoje, digo(-me), talvez como um autoengano prestigiado, que me tornei mais seletivo, embora tal seleção possa estar relacionada ao tempo e a um certo enfado com tudo, inclusive com os livros, que vem também com o próprio tempo.


“Ao cabo de examinar bem, depois de tanto estudo

de filosofia, e leis, e medicina, e tudo

até teologia...encontro-me como antes;

em nada me risquei do rol dos ignorantes.

(...)Mas, como te suplantar fatal credulidade?

Que bens reais lucrei? Gozo eu felicidade?

Ah! nem a de iludir-me e crer-me sábio.

Sei que finjo espalhar luz, e nunca a espalharei

que dos maus faça bons, ou torne os bons melhores;

antes faço dos bons maus, e os maus ainda piores.

Lucro, sequer, eu próprio? Ambiciono opulência,

e vivo pobre, quase à beira da indigência.

Cobiço distinguir-me, enobrecer-me e vou-me

com a vil plebe, à espera em vão de um nome”.

[GOETHE, Fausto. Cena I, ato 1]


Não defendo a leitura como a salvação da pátria. Não acredito que uma nação de leitores seria uma nação com povo (mais) feliz. Até porque, para mim, os bons livros, antes de solucionarem nossos problemas (salvo os indispensáveis manuais de sobrevivência na selva da vida eletrônica, e mesmo assim só os “legíveis”), são os que nos acrescentam mais um, ainda que a experiência (social ou particularmente espiritual, não necessariamente religiosa, vinda inclusive das(s) leitura(s)) possa nos dar instrumentos para atuar diretamente em sua solução.


Se, de uma hora para outra, este país, sabidamente com baixo percentual de leitura, se comparado a sua população total, se tornasse um país de leitores, a curto prazo, com chances consideráveis de isso se estender a longo, as mesmas listas de baboseiras mais vendidas continuariam quase imutáveis, só que com vendas exponencialmente multiplicadas.


“Eu, na arte de enganar, não sou dos piores;

hoje, porém, confesso, estou assustado.

Não anda o povo afeito a mãos de mestre,

mas lê, lê muito; um ler que mete medo”.

[GOETHE, Fausto. Diálogo Preliminar]


Quem sabe ir ao teatro para ver, com as exceções de praxe, “comédias” (só rindo!) com flagrante inspiração sexista, interpretadas(?) por uma plêiade de diplomados em caras e bocas, ainda com cara de pau suficiente para chamar a atenção para a “crítica social” que fazem.


Fugindo das redes de TV, cai-se noutra. E nesta, dando-se crédito a estatísticas internacionais, com destaque para os navegantes nativos, é-se peixinho nas malhas (peixes nada ingênuos para se deixarem fisgar por tubarões imorais) da pornografia – honesta, quando não esconde o que é -, das redes sociais, não raro, explicitamente ou não, canais de difusão pornográfica, ou nas páginas de celebridades, igualmente pornográficas, mesmo que não negociem “por partes”, valendo, no entanto, a rubrica pelo conjunto da obra.


Que cada um faça o que quiser: não é essa a máxima da liberdade? Ainda que alguns, temerosos, acrescentem um “desde que não invada o espaço alheio”.


Então, que, querendo-se isso, se dê o (próprio: o alheio não vale) sangue pela pátria, embora eu considere atitude mais cidadã doá-lo um banco especializado!


Que não se derrame, se assim se quiser, uma só gota pela pátria – como se os impostos que nos exaurem não fossem, qual sangria desatada, hemorragia incontrolável!


Que se desligue a TV por um dia, no geral ou particularmente uma: e ninguém tem nada a ver – liberdade, liberdade! – se, durante esse mesmo dia, se a ligar, diversas vezes, só para “ver”, desligada então, como certa TV está, se estiver (o que só se saberá se se a ligar), repercutindo um dia sem ela própria!


Que não se tenha pudor de se assistir à TV o dia todo, se se puder, se se aguentar, mesmo que, com o direito de ser (será?) esnobe, diga-se que se prefere os canais por assinatura (a caminho de se tornarem, entre todos, os mais “populares”), tanto quanto não se tem pudor em se desejar (e satisfazer tal desejo) uma TV com tela a perder de vista e paga em prestações de infinitas polegadas!


Que, livres cidadãos, sem perderem tempo em me por no topo da lista, disparem contra mim um sonoro (em caixa-alta) CALA A BOCA! Eu, de minha parte, valendo-me dessa mesma liberdade de expressão, pressuposto de uma democracia, mesmo correndo o risco de assim exibir um viés autoritário (vítima ou algoz?), além de dar, eventualmente, provas incontestes de que estou sendo (bem?) pago pelo sistema, com a mesma ênfase, ainda que hashtag solitária, devolvo-lhes, cidadãos: CALA A BOCA, Ô!...


Não é assim, afinal, que hoje se expressam os #NOVOS_CIDADÃOS?!



CHICO VIVAS

domingo, 13 de junho de 2010

NÃO SEI DE DEVO DIZER...



Um nome a mais, um nome a menos... É quase como se dizer: uma palavra a mais, uma palavra a menos...como quem diz que isso pouca diferença faz, se é que faz, pois fica clara, pelas reticências, a dúvida, talvez, aí, a única certeza. E quem já calou, quando deveria ter dito uma palavra, ao menos uma, e nada mais, mesmo que então, no momento de dizê-la, não soubesse que deveria fazê-lo (porque essas coisas, infelizmente, só aprendemos depois), sabe que ela faz, sim, diferença, podendo mesmo fazer toda: um SIM, carregado com o desejo de que seja sempre assim, ou um NÃO, com a esperança de que seja momentâneo. Do mesmo modo, sem trocar as bolas, apenas invertendo o sentido, quem, em lugar de calar, ainda que, então, tenha soltado a língua para dizer um sim somente, ou nada mais que um simples não, quando melhor seria ter ficado de boca fechada, aprendeu, com as consequências inevitáveis, a diferença que há em uma palavra a mais, uma palavra a menos...


Nomes são palavras. São próprios substantivos. São simplesmente palavras que damos à gente, que nos damos, embora o recebamos, sem consulta prévia, e o levemos vida afora. Pela tradição, alguns, que têm seu próprio nome (próprio), com o tempo, com desejo (de um sim longevo), com esperança (de um não que não seja necessário), acrescentam ao seu um outro, o nome de outro, agora seu, por direito ou apenas de fato – o que é um direito seu.


E isso não é apenas uma palavra a mais, assim como um nome que some não é um substantivo a menos, porque as palavras carregam história(s), havendo mesmo a história dos nomes.


Há nomes que parecem, de cara, pesar: mas Cruz, para quem o carrega, pode ser o fardo mais leve entre os seus, se ele traz lembranças suaves; Pena, que parece um nome por demais volátil, pode ser uma verdadeira cruz, se, ida, levada Pena pelo vento, não se consegue disso se livrar, tendo de carregá-lo nas costas.


A coragem de somar ao seu mais um nome é semelhante àquela de, sem certeza absoluta, dizer uma palavra, com dúvida sobre se não seria mais prudente calá-la; de igual bravura àquela que cala em si a palavra já na ponta da língua, intuindo o valor do silêncio nessa hora, ainda que sem a garantia de que se esteja fazendo o certo.


O certo é que a união dos nomes é fato oficial. Errado, na vida, é, não se sabendo se cala ou se fala, evitar, oficialmente, unir-se (a outro nome): e o nome disso, abstrato substantivo, embora real, é: covardia.


Ser covarde é um direito que assiste a todos (nós). Mas quem lança mão desse seu legítimo direito não pode, depois, reclamar do que disse, do que deixou de dizer.


Então, viva(s) – que é o nome que carrego – à coragem das uniões.



CHICO VIVAS


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