Toma-se, comumente, por mais raro que vá se tornando esse gesto de intimidade, embora os espaços cada vez mais exíguos de uma vida apertada imponham uma promiscuidade forçada, a mão que pousa sobre outra, silenciosamente, num tácito dizer de solidariedade (se é certo que, em tais casos, quer-se mesmo somente a solidariedade muda, em outros, sendo necessário ter muita sensibilidade para se perceber as sutilezas, deseja-se que se quebre o silêncio, impossibilitado então de fazê-lo por conta própria), como um símbolo de leveza, de suavidade, levando-se um choque se aquela mão, por mais generosa, diante das expectativas sedosas, nos chega pesada, trazendo consigo, numa transferência involuntária, seus fardos pessoais; se nos chega com calos, resultado até dos próprios fardos a serem acomodados em costas nem sempre largas o bastante para todos eles conter.
Primeiro sinal do cansaço, em que pese a associação mais imediata em relação aos olhos, às pálpebras se abaixando, como uma cortina num final de espetáculo, talvez sem direito a bis, é mesmo a mão. Em geral, não conseguimos sentir seu (na verdade, nosso) próprio peso, da mesma forma que, apaixonados, perdemos a “medida” das coisas, inclusive da própria paixão, não sabendo mais se a nossa é grande ou pequena – se é que conta assim faz algum sentido. Faz-se, então, indispensável uma outra mão, uma mãozinha salvadora que desça sobre a nossa, fazendo com que recuperemos a noção do peso (da vida).
Se a mão que vem em nosso socorro, mesmo que não saiba estar em curso uma atitude heroica, pousa, qual beija-flor que tira, ao contrário de nós, mais prazer em não ter seu beijo percebido, deixando para fora da flor todo seu peso, quase sem se fazer notar, isso, curiosamente, nos pesa ainda mais, porque, no fundo, desejamos uma mão pesada, mais que a nossa própria, uma que nos empreste, ainda que sensação efêmera, a ilusão de que há pesos maiores (na vida) do que os nossos, de que há vidas mais pesadas que a nossa, por mais que, ao pensar nela, forcemos a mão, como se carregássemos na tinta da nossa história, conscientes de gosto do leitor por tramas densas.
Quão cansativa – talvez não haja outro cansaço maior – é aquela experiência, frequente nos sonhos, em que se tenta, num momento de desespero, gritar, e a voz, tendo consumido as forças habituais, não sai, exaurindo-nos, apesar de tudo!
Como ficamos cansados em estender a mão, certos de encontrar na outra uma lisura ideal, e só calos; ou quando, ansiando pela aspereza, registrada ali, de fardos cumulativos, vem-nos só a seda, bicho!
Cansada você deve estar – e bem mais agora, com tantas palavras, mesmo que a intenção fosse te estender, retoricamente a mão.
Cansado, confesso, estou eu de, confessando tanto, nunca me perdoar, por mais penitências que me imponha, minha mão não alcançar as distâncias que gostaria.
Cansei. E, por mais irônico que isso possa parecer, ainda nutro a esperança de que, na comparação, teu cansaço tenha diminuído.
CHICO VIVAS