sábado, 5 de novembro de 2011

NÃO-LEGADO









“Não tive filhos,

não transmiti a nenhuma criatura o legado da minha miséria”.



Mas, quem será que diz isso? Pode ser Brás Cubas, “psicografado” pelo bruxo sem misticismo do Cosme Velho, ou pode ser o próprio “médium” (e como sabemos o quanto “The medium is message”!), valendo-se, como desculpa, de um espírito cético, talvez dos mais assim, já que ceticismo há em não se crer na possibilidade real em se afirmar (ou se negar) categoricamente, havendo mais que isso, quase aquela desesperança que Kierkegaard “afirmava”, com toda sua categoria, ser a impossibilidade da última esperança, em não crer sequer na (própria) espécie – nem tanto em seus valores morais, e sim em sua capacidade de, se necessário, regenerar-se (o que, por si, já é um verbo dos mais moralistas).


Não tive filhos. E, apesar do pretérito, o que indica ação completa(da), ainda estou vivo: com esse meu sobrenome-trocadilho que não legarei a ninguém. É verdade (isso prova que não consigo ser muito cético) que, tecnicamente, a perpetuação da espécie, a partir de mim, é uma possibilidade que não pode, embora deva, ser descartada. A essa altura, no entanto, tendo Brás passado a minha frente, sequer posso deixar memórias (em vida ou escrevê-las com a providencial ajuda de um “cavalo” – o que, para os céticos, deve ser o auxílio ideal para escrituras do gênero), encerrando-as com uma frase que traduz minha realidade, sem, por “correção” (decididamente, sou moralista!), dar crédito a Machado de Assis, deixando a impressão de que passei a vida a ler: prova inconteste, para os mais aventureiros, de que vivi a ver navios, alimentando-me ora de ceticismos poéticos, ora de moralidades piegas.


Bernardo me parece – com estes meus olhos que já vão trocando a pretensão juvenil em sempre mergulhar fundo, até no raso das coisas mais rasteiras, pela comodidade, à meia-luz, de um proverbial valor do primeiro olhar -, com o perdão de termo tão afim, o mais belo dos “clichês” da criança bonita.


As crianças crescem. Crescem, a ponto de terem suas (próprias) crianças. Crescendo, perdem algo, arrastando junto um naco das nossas (admitidas ou envergonhadas) crenças na humanidade. Porém, há alguma coisa, enquanto são crianças, que quer se eternizar.


Olhando a beleza (ariana) do Bernardo, como, num espasmo que precisa ser devidamente contido, para que não extravase para além de um breve suspirar, não dar algum crédito àquele mundo de fadas, de príncipes, de felicidade ad aeternum, e que é – sejamos céticos – tão real quanto o pior dos mundos possíveis, sendo a única diferença que, enquanto aqueles contos nascem como ficção, por mais que encerrem (suas) verdades, a ficção do mundo, com todas as suas (im)possibilidades, jorra das mãos de um filósofo...cético?


Que seja eterno, sem querer ser vulgarmente poético, aquele flash de eternidade, até, ao menos, o instante em que a realidade nos chame, como mãe das antigas, aos BERROS!



CHICO VIVAS


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