domingo, 30 de janeiro de 2011

DE VOLTA AO VELHO BACKUP DE NOVO


A persistência da memória (Salvador Dali. 1931)

Recordo-me de detalhes desinteressantes; desnecessários mesmo para a “economia da memória”: supondo-a um recurso esgotável, torna-se necessário valer-se dela com razão, quase que cientificamente, para que não se a acesse sem preciso objetivo, empregando-a num mero jogo de lembrar-e-esquecer, só pelo gosto de exibi-la, numa espécie de brincadeira de salão que atravessa o tempo e ainda hoje chama a atenção, mesmo que tal salão, como uma referência arquitetônica hiperdimensionada, já não exista.

Alguém, lembrando-se de certas leituras, mesmo que não a localizem (na memória) com a exatidão indispensável para que se anexe a essa lembrança seus dados bibliográficos, talvez diga que, se (eu) me lembro de tais detalhes, ainda que a eles me refira (conscientemente) como sem-interesse, como não-necessários, a própria recordação revelaria o contrário, como se, a seus olhos-lidos, o então velado pela inconsciência nu se mostrasse, apesar de, aos meus olhos, por mais que os vista de nudez, continuarem detalhes, e que só á luz vieram por causa da minha falta de controle, do modo descomedido com que lido com a(s) minha(s) memória(s).

Evito replicar, até porque, nessa série de lembranças “sem razão”, rebateria seus argumentos com outras leituras, a estas, ainda por cima, juntando outras tantas, numa cadeia referencial que, aí sim, revelaria, em toda sua pobre grandiosidade, a amplitude de uma memória que, guardando (de) tudo, curiosamente, esquece-se do valor terapêutico do esquecimento providencial e do significado oculto dos lapsos de memória – espaço aberto para leituras diversas.

Meios mais modernos parecem vir em nosso socorro, dispondo-se, por uma vontade que lhes foi imposta em microcircuitos, a conter memórias várias, esvaziando a nossa para, supostamente, o que realmente importa: mas, até para isso é preciso que, periodicamente, não nos esqueçamos (o que significa ter “sempre” na memória) de fazer essa transferência (de dados). Sem confiança plena em lembrança(s) assim, pode-se então se recorrer a um “lembrete”: artifício para (nos) lembrar (de) lembrar(-nos) – mas, de quê mesmo? Ah! De transferir memórias para que, num eventual colapso, tomados de esquecimento(s), uma cópia esteja a salvo.

Mas, ocorrendo tal catástrofe mnemônica, haveremos de nos lembrar de que, prudentemente, antevendo a possibilidade do colapso, fizéramos uma cópia? E mais: lembrada ela, necessário é que se saiba (por outra lembrança) o que para nós significa.

Se nada mudar, daqui a tempo(s), estarei, novamente, me recordando disto tudo: prova insofismável de que me lembro até do desnecessário, não me esquecendo nem sequer do que, ao longo dos anos, perdeu o interesse.






domingo, 2 de janeiro de 2011

OVO-DIA DE UM OVO-TEMPO



Quase imperceptível na alegria de um (novo) começo, ou apenas na autossugestão disso, querendo-se, a todo custo, acreditar numa “novidade” já há muito repetida, está certo alívio com o fim que se aproxima. Sim, porque, tendo já recebido este mundo (de meu Deus) criado, com a assinatura do Artista não apenas num discreto canto, mas em todo lugar, como se Seu (santo) nome fosse, ele próprio, a arte em si, tudo o mais detalhes meramente decorativos, não mais experimentamos começos originais, um que realmente parta do zero, sem que, então, se saiba que caminhos aquilo, ainda em construção, irá tomar, forçados como somos, embora com (aparente) liberdade para fazermos o contrário, mesmo que assim sem muita convicção e só para contrariar, a nos contentar com essas voltas que o mundo dá (quantas já, meu Deus?!) e, a cada uma delas, deixando-nos iludir pela promessa – que não se conhece quem a fez – de que, a partir de agora, daqui para frente, como versos de uma canção, tudo será diferente, juntamos os fragmentos de otimismo, frações de expectativas desfeitas, construindo, ainda que com evidente carência de maiores detalhes, uma esperança, empurrando, ao mesmo tempo, para o fundo do passado, apesar de este estar tão presente, as fadigas do fim ainda tão próximo.


Os que batem no peito, alardeando seu senso de realidade, seu apego ao pragmatismo (este, não raro, atado, numa das pontas, a um pessimismo com ilustrações pseudo-acadêmicas), não se dando conta do quanto esse gesto, o de bater no (próprio) peito, somente retórico, sem função precisa, já contradiz sua propalada ausência de fantasias sobre a vida, na crença, dado o gesto, no valor do coração para além de um pouco plástico músculo pulsante, e tão assim que mais artístico chegam a ser as curvas errantes traçadas ao acaso de uma semelhança anatômica improvável, pois esses mesmos que dizem que tal começo é puro disfarce para as reiteradas continuidades, começo (se podemos lhes falar assim) após começo, “continuam” repetindo o mesmo gesto: e há quanto tempo esse seu peito vem sendo “batido”!...


De fato, passado o efeito estupefaciente de toda expectativa concentrada (como uma esperança que exagerou no seu tom esverdeado), vai-se caindo na real. E há o lado bom dessa mesmice – de cara, renegada -, dessa rotina recorrente: que seria de nós, inclusive dos “batedores de peito” (mesmo que não sejam uns ladrões de corações), realistas sem outra alternativa, se tivessem(os) de, de tempos em tempos, começar tudo de novo, do zero, como um Criador que, dando-se por satisfeito, logo depois, sem que se tenha oportunidade de se experimentar a obra (nem mesmo como espectadores, apenas contemplativos), ei-lo já pondo novamente mãos à obra, incessantemente?


O que (realmente) nos faz acreditar num (re)começo de verdade são as experiências de fins diversos, infindavelmente, ainda que nada, sob este sol, como se sabe, seja para sempre.



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