sábado, 27 de março de 2010

CURSO INTENSIVO DE TEATRO PARA A VIDA TODA


Vi o espetáculo e o aplaudi.

Não vou a bastidores: gosto da ilusão. Tu és a exceção que faço, tão concreto que és; e mesmo assim, eu ainda tento desatá-lo, espetáculo aqui entre nós, do real e rechear a cena com ficção, mais palatável a essa minha língua demente, que mente somente para me dar asas, dar-me alguma imaginação.

Aplaudo sem trama, sem drama. No escuro, às velas, no claro, caravelas projetadas no rosto como sombras chinesas, navegando avante nos olhos puxados - este para leste, aquele, o(u)este, olhando para si, em circunvoluções de mar. Não desço aos porões; gosto da liberdade que me prende ao não me deixar “cativar”, acorrentando-me a mãos, gosto de me deixar seviciar por beijos inclementes, a golpes de chicote quente, largo sobre a carne tenra, como ave nova em voo de estreia, subindo sem cair, caindo sem pestanejar: que pestanas não têm os pássaros, que cílios não têm os lábios que cantam a canção do norte, quando então se dirigem ao sul.

Quem me vê, que espetáculo verá? Verá, talvez, no palco o bastidor revelado nas mãos brancas da virgem antiga, com agulha entre os dedos avermelhados, bordando um desenho que lhe copia as pausas do coração, a legenda de uma futura vida ou a memória de uma vida que passou sem que pintado se a tenha: bordado? que dirá!

Se for (a)o porão, que navio me conterá? Que cargas carregarei? Que tripulação conduzirei? Que ratos me roerão - ou será que os roerei? Serei rei em escasso peito? Se já escasso assim, errei de navio ou serei cativo das minhas sinceras ilusões? Que sei?!

Fecho-me, cortinas cerradas, esburacadas, deixando-me devassar pela luz dos olhares ansiosos por uma lágrima que se ajuste àquelas que não (me) choraram ou pelo sorriso escapado à boca que chora no lugar dos olhos, porque, úmida com é, não precisa fingir.

Vou-me assim desmascarando. Não por ter a pintura da cara arrancado, mas pelas penas que levo coladas à antiaderência da minha paixão descascada, descamada em todos os seus níveis mais íntimos. Por onde sigo, aplaudem-me; mas isso é só o silêncio espalmado, é só o eco de corações imobilizados, são só os fantasmas do amor em rima não sentida - quanto o desejo era senti-la: brancos versos, prosa rimada, ou ainda melhor, tudo calado, comunicando o que “cinto”, sem calça a me apertar o íntimo, um longo beijo que consinto que seja correspondido, sentindo lacrar o envelope de uma carta chegada com a saliva ainda ardente de um desejo atrasado, uma despedida que leva a...deus. E poderá até seguir aberta, pois para que serve o gosta da minha língua, se outra boca já não mais haverá?

Monologo, em diálogo comigo mesmo, com todos os que cruzam esse meu caminho em diagonal. Dou a deixa e espero...e só espero: que a deixa era mesmo só para esperar...esperar...Agradeço, braços cruzados sobre o peito, inclinado para a frente, dobrado por dentro, dispendioso por trás desse espetáculo todo de louvores em noite clara, com sol amargo, num meio-dia violeta, ou em qualquer entardecer cristalizado em calda de açúcar mascavo. Lambo-me todo para reabsorver minhas ilusões, já que postos não há onde eu possa reencher-me com f(r)icções de outras mãos sobre minha testa a arder de palavras a queimar, todas tão vãs!

E vou-me...Canção de madeira queimada, agora lápis de cor sobre o alvo do tempo, escrevendo o que se desfaz logo que anoitece e tudo, queimado dia, é só canção.

CHICO VIVAS

sábado, 13 de março de 2010

AVISO: ISTO É UM LIXO









Fiquemos combinados assim: o mundo é mesmo um lixo.

O lixo produz lixo, como se, reciclando-se a si mesmo, o lixo deixasse, provisoriamente, de sê-lo, ascendendo a outra coisa e, nessa sua subida, não abrindo mão do que tem como seu legítimo direito de também lixo produzir, pois, afinal, é filho de Deus (sem que eu queira, eu minha covardia ontológica, dizer que Deus é mais um lixo).

O luxo, tido por muitos, provavelmente os que fantasiam um luxo de vida, sem, no entanto, terem sequer passado perto dele, como uma inesgotável (e principal responsável) fonte de lixo, sem nem permitir que esse lixo de seu luxo se torne fonte de uma energia qualquer, porque faz parte do luxo exercer seu legítimo direito sobre aquilo pelo qual pagou, e caro, mesmo quando, perdida sua original utilidade – e a utilidade do luxo pode ser não ter mesmo qualquer função útil, sendo isso essencial para uma verdadeira vida luxuosa –, o luxo é, inequivocamente, agora, um lixo...a mais.

Foi-se o tempo – o tempo ora é um luxo a que poucos têm acesso e que produz seu próprio lixo em forma de um passado não-reciclável, ora é um evidente lixo, especialmente para aqueles que, num luxo só, vestem-se, dia e noite, com os reluzentes atavios de uma eternidade prometida – em que se podia esconder o lixo debaixo do tapete, seja pela pressa em se dar ao lixo de então seu destino mais habitual, seja porque, rigorosamente, nem lixo havia, apenas o resultado residual do hábito (para passar o tempo) de se varrer a casa, o que, quando feito por obrigação, ainda que num espaço tão exíguo que o menor dos tapetes poderia cobrir toda a área disponível, parece uma eternidade, um varrer que não quer acabar mais.

Lugar de lixo é no lixo: é o que, até há bem pouco, se dizia, com ar professoral, com intenção pedagógica, quase um slogan de vida civilizada. Agora, o luxo é não tratar o lixo como lixo, mas tratá-lo bem, tratando-o de tal maneira que ele ressurja, às vezes, literalmente, das cinzas, chegando ao requinte de se tornar, reciclado já, objeto de luxo, mesmo que o luxo da vez se restrinja a se passar por alguém preocupado com seu mundo, para além do seu próprio mundinho, como alguém que, mesmo aspirando (será que isso cheira bem?) à eternidade, tomando esse tempo no mundo como um lixo passageiro, preocupa-se com o mundo que vai deixar para trás, reconhecendo que alguns, neste mundo, podem preferir viver seu próprio tempo ansiosamente, desesperadamente, talvez por não acreditarem em nenhum outro, a ponto de vivenciarem suas horas com uma avidez que sequer lhes permite, gozadas já as horas (e nem todas elas são engraçadas), que se ponha o lixo daí resultante em continentes adequados, prontos para nova reciclagem, num refazer de mundo ad aeternum.

E dizer, tão lugar-comum como é, que não é de hoje que isso é assim, que o mundo é um lixo, é um dos poucos luxos a que tenho direito. Acho mesmo que o único. Foi por isso que, luxuoso, pus aqui todo este lixo.




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sexta-feira, 12 de março de 2010

A ARTE DE SER DONO DA OBRA









A arte, querem nisso acreditar os homens, como se assim a legitimassem, é a expressão do que há, ou ainda resta, de divino em nós, supondo que todos nós sejamos, potencialmente, ao menos, capazes de fazer arte, para além das malandragens de pirralho aprendendo as duras lições da liberdade limitada. Mas, talvez esta a arte seja não mais, se pudermos, nem que seja para brincarmos com as palavras, falar desse modo, o que em nós resiste, como cicatriz a sempre nos lembrar da ferida, como uma falha ontológica em um ser que deveria ser perfeito, ou quase, sendo que, ao contrário do que se pensa, a arte pode muito bem ser o que há de escandalosamente humano em algum deus – “criador” ou não.

Se for algo, genuinamente, Seu a arte, a nossa, alinhando-nos, sem intenção declarada, a Platão, não deve passar de uma arte falsificada: falsificação grosseira ou uma fina falsidade: o fato é que, assim, só nos cabe especular, já que não somos, imagens que sejamos mesmo Dele, espelhos confiáveis para afirmações categóricas sobre Seu ser, dono que é, único, das verdades apodíticas.

Sua arte, sejam astros ou satélites, parece trazer em si, como parte da própria concepção de obra acabada, luz que dispensa um projeto posterior de “esclarecimento” que lhe permita ser apreciada, independentemente da hora, do ambiente e das circunstâncias em volta. Já as nossas obras, mais concentradas no seu ser, fazem da iluminação, às vezes, uma arte à parte, luzes estas que estão a serviço da melhor percepção pelos humanos sentidos. E uma boa iluminação contempla tanto todo o ambiente, num jogo equilibrado de luz e de sombra, de revelações e de ocultações, como também contempla as obras, especificamente, com foco a elas diretamente voltados.

Raro é, e isso não me parece um defeito do projeto, embora eu próprio entenda um pouco mais, do pouco que sei no geral, de penumbras várias, que uma luz que pretende incidir, diretamente, sobre uma arte, restrinja-se, unicamente, ao contorno estrito dessa mesma obra, não ultrapassando as fronteiras de sua moldura ou as linhas de sua escrita, resvalando sempre para fora, tal qual, numa brincadeira já nostálgica, uma ciranda generosa que aceita, a toda hora, um alargamento de sua roda com a inclusão de novos participantes para os giros que lhe dão sentido, mas que, pela tontura dos volteios incessantes, acaba, em algum momento, expulsando um ou outro “brincalhão”.

Deixo as obras de arte para os que sabem dela: os que sabem fazê-la(s) arte ou obra(s), e para os que sabem compreendê-las, como obra do homem ou como arte de Deus. Aqui, fico com as sobras...de luz que, querendo se jogar, preferencialmente, sobre a obra, num abraço envolvente e possessivo, sem olhar para mais nada, para mais ninguém, ilumina o que não estava perfeito no projeto de iluminação, talvez nada além do “vão” intervalo entre uma arte e outra obra. Para os olhos, sinceramente ou falseando a função, que caem sobre aquilo para o qual lhes puxa a luz, nada existe fora do que eles mesmos alcançam, a não ser os intervalos sem significados e vãos sem muito sentido – a não ser o de serem o que já são, a olhos vistos, ou seja, vãos, e não porque os olhos que (os) veem assim sejam olhos vãos.

Para meus olhos, olhos que são o retrato de um sentido, há signos espalhados nesses espaços, aparentemente vazios. Não sabendo, eu, fazer arte, passado, há muito, meu tempo de perdão garantido para as molecagens da idade, eu saio por aí (na verdade, por aqui) escrevendo, focando um ponto e deixando-me absorver pelas valas comuns que separam, como intervalos necessários a um mínimo de compreensão, as palavras, casocontráriocomosehaveriadecompreenderoquedigosemparar?

De tudo o que escrevo, nada sairá, por melhor que seja a “iluminação”, por melhor que seja a luz de generosos olhos-leitores, generosos, para não dizer, contra mim mesmo, uns perdulários, ao se gastarem assim, aqui, comigo, por mais que tais olhos se debrucem sobre pontos específicos, mantendo-se circunscritos às invisíveis marcas que desenham as margens: se quiserdes vos arriscar, olhos, arriscando a energia de vosso olhar, aconselho-vos, olhos, a não vos deterdes, como se diante de uma obra de arte, naquilo que ora ve(r)des, olhos de qualquer cor, pois, em havendo algum sentido, aqui, significado só se achará com a ajuda da luz – quiçá, da “Luz”, numa iluminação em definitivo..

Talvez seja só um ponto – quem sabe se justamente o ponto final, o que (já) está por vir. Sei que, tendo à disposição uma ampla sala, atulhada, quase que numa experiência barroca, de obras, cópias de uma falsidade (ainda que com a intenção verdadeira de salvar lembranças), é fácil cair na armadilha e deixar-se levar pelo que se vê, mesmo que, para não parecer que se engole tudo, exerça-se o legítimo direito de criticar, ainda que as obras sejam demasiadas, a ponto de se apresentarem encostadas umas nas outras para que caibam nos limites do ambiente para elas disponibilizado.




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