Vi o espetáculo e o aplaudi.
Não vou a bastidores: gosto da ilusão. Tu és a exceção que faço, tão concreto que és; e mesmo assim, eu ainda tento desatá-lo, espetáculo aqui entre nós, do real e rechear a cena com ficção, mais palatável a essa minha língua demente, que mente somente para me dar asas, dar-me alguma imaginação.
Aplaudo sem trama, sem drama. No escuro, às velas, no claro, caravelas projetadas no rosto como sombras chinesas, navegando avante nos olhos puxados - este para leste, aquele, o(u)este, olhando para si, em circunvoluções de mar. Não desço aos porões; gosto da liberdade que me prende ao não me deixar “cativar”, acorrentando-me a mãos, gosto de me deixar seviciar por beijos inclementes, a golpes de chicote quente, largo sobre a carne tenra, como ave nova em voo de estreia, subindo sem cair, caindo sem pestanejar: que pestanas não têm os pássaros, que cílios não têm os lábios que cantam a canção do norte, quando então se dirigem ao sul.
Quem me vê, que espetáculo verá? Verá, talvez, no palco o bastidor revelado nas mãos brancas da virgem antiga, com agulha entre os dedos avermelhados, bordando um desenho que lhe copia as pausas do coração, a legenda de uma futura vida ou a memória de uma vida que passou sem que pintado se a tenha: bordado? que dirá!
Se for (a)o porão, que navio me conterá? Que cargas carregarei? Que tripulação conduzirei? Que ratos me roerão - ou será que os roerei? Serei rei em escasso peito? Se já escasso assim, errei de navio ou serei cativo das minhas sinceras ilusões? Que sei?!
Fecho-me, cortinas cerradas, esburacadas, deixando-me devassar pela luz dos olhares ansiosos por uma lágrima que se ajuste àquelas que não (me) choraram ou pelo sorriso escapado à boca que chora no lugar dos olhos, porque, úmida com é, não precisa fingir.
Vou-me assim desmascarando. Não por ter a pintura da cara arrancado, mas pelas penas que levo coladas à antiaderência da minha paixão descascada, descamada em todos os seus níveis mais íntimos. Por onde sigo, aplaudem-me; mas isso é só o silêncio espalmado, é só o eco de corações imobilizados, são só os fantasmas do amor em rima não sentida - quanto o desejo era senti-la: brancos versos, prosa rimada, ou ainda melhor, tudo calado, comunicando o que “cinto”, sem calça a me apertar o íntimo, um longo beijo que consinto que seja correspondido, sentindo lacrar o envelope de uma carta chegada com a saliva ainda ardente de um desejo atrasado, uma despedida que leva a...deus. E poderá até seguir aberta, pois para que serve o gosta da minha língua, se outra boca já não mais haverá?
Monologo, em diálogo comigo mesmo, com todos os que cruzam esse meu caminho
E vou-me...Canção de madeira queimada, agora lápis de cor sobre o alvo do tempo, escrevendo o que se desfaz logo que anoitece e tudo, queimado dia, é só canção.
CHICO VIVAS