quinta-feira, 14 de outubro de 2010
TONS DE CHICO
terça-feira, 12 de outubro de 2010
APERTE PARA CONFIRMAR...OU NÃO
O VOTO
OU
A GALINHA DOS OVOS DE OURO
Devagar com essa urna porque, pelo que nos querem fazer acreditar, nossa democracia é de um barro ainda mais instável do que aquele que – à parte o shakespeariano Próspero que afirmava ser o sonho a matéria de que somos feitos – nos fez, envoltos em Seu hálito divino, homens...e mulheres.
É pura mistificação essa ideia de que não se pode, pela importância que se lhe atribui e pelo intervalo entre um e outro, desperdiçar o (próprio) voto. Mesmo que pareça pouco razoável perdê-lo (e para sempre, ao menos até a próxima oportunidade) propositadamente, isso é uma opção de quem – santa Democracia quebradiça em sua cerâmica mal-cozida! -, compulsoriamente, tem de votar: não tendo a alternativa de não o fazer, se assim o desejar, que se o desperdice, se quiser.
Se há consequência para ato assim? Há; como há, seguindo determinada lei – e da qual não conseguimos escapar, mesmo que nos insurjamos contra ela com todas as nossas forças, salvo algum “milagre” -, consequência para todo e qualquer ato, sabendo-se mesmo que houve até para um ato de Deus, supostamente acima de todas as leis, ao brincar, como criança ainda em precário desenvolvimento estético-motor, com a deliciosa plasticidade do barro: eis-nos aqui a não (me) deixar mentir, embora a própria mentira seja uma das tais consequências do ato e não menos uma arma da democracia.
Soa a chantagem atraente – há os que a aceitam, desde que assim, embalada com papel incomum, raro nas mãos de qualquer um e que seja um diferencial, símbolo da exclusividade de uma “classe” de homens...e mulheres -, se dizer que, perdendo-se o voto agora, só daqui a tantos anos para se consertar os efeitos de um possível erro: se, na ponta do lápis, é assim mesmo, que andor alquebrado é esse que se tem de carregar até a próxima festa do padroeiro, sem o direito de, descobrindo o santo em falso, parar e demovê-lo das alturas, garantindo-lhe o direito de defesa? Ao contrário, do jeito que a procissão foi formada (alguns dirão que justamente assim já como consequência dos votos errados, abrindo espaço, sem trocadilho filosófico-reprodutivo, para que o ovo e a galinha prolonguem a eterna querela sobre o privilégio(!) nas primícias mundanas), garante-se, mesmo com toda a obrigatoriedade, assento acolchoado na plataforma que se sustenta nos ombros dos fieis, contando-se com o esquecimento entre os calendários.
Outro ídolo que se quebra facilmente, a memória não é mais um instrumento de cidadania, sendo o esquecimento, apesar da toxicidade dos seus eflúvios, o cano pelo qual escapa a pressão diária: de ser cidadão consciente, de não poder não sê-lo, de ter de carregar andores de obrigações “legais” por andares sem conta nesse alto edifício sem elevador; enfim, de jamais errar...
Numa democracia em que há o certo e o errado, há algo errado: para muitos, “certamente”, o errado aqui sou eu, ao falar assim, desprezando a Ética. Errado está não porque o erro foi parar aí, mas porque o autonomeado certo, como um deus sem misericórdia, ameaça, com sua mão forte – retórica que seja, mas nem por isso menos pesada -, o barro comum: de um lado, prometendo-lhe, se andar na linha (certa) a continuidade de um paraíso (que se admite assim, sem contestações), e de outro, tendo em vista justamente o “outro lado”, o inferno – que, como se sabe, é sempre...o outro.
CHICO VIVAS
O QUE (TE) DIZER?
Queria mesmo te dar uma “palavrinha”, mas (será que só as minhas?) as palavras têm todas o seu próprio lugar: são palavras ou de amor ou são palavras inchadas de um amor apodrecido, embora suculento ainda na aparência “jovial”, porém, ao serem “exprimidas”, geram um suco ralo, ainda que potente, de ódio, de mágoas em cachos; são palavras de consolo que, quando ditas (ou escritas) por dizer, em nada consolam a quem isso deveriam fazer, consolando tão-somente, às vezes, a consciência de quem as diz (ou as escreve) e que, quando sinceramente vividas, fazem até esquecer o motivo da dor; são também palavras de ânimo ditas, não raramente, sem a preocupação de que quem as ouvirá (ou venha a lê-las) esteja mais precisando de um silêncio animador. Não finda a lista, são palavras calmas – ditas sem pausas restauradoras; são palavras de despedida que não têm coragem de dizer adeus logo de cara; são palavras de boas-vindas porque se é covarde então para fazer uma festa com balões coloridos tão ao gosto de uma infância agora envergonhada, com alto-falante, banda de música vestida como se os músicos fossem soldadinhos de chumbo, e torcida organizada: tudo isso em público; são palavras que acompanham eventualmente rosas, mas torcendo-se para que sejam vistos os espinhos, talvez por neles se concentrarem, tacitamente (nem por isso de modo menos agudo), as palavras que realmente se quer dizer, embora se tenha dito outras, róseas na aparência floral, sendo mais profundos os espinhos-em-palavras do que os naturais, agarrados ao talo. Rol que parece não querer acabar mais, são palavras compradas prontas, sob medida para qualquer corpo, deixando ao próprio corpo a responsabilidade de se ajustar a elas, e não talhadas sobre esse mesmo corpo, preservando a individualidade de cada um(a): e tecer palavras diretamente sobre o corpo (mesmo que num corpo “comprado”) é prazer já tão desusado quanto a arte da alfaiataria com exclusividade; são palavras sem fim...são palavras para tudo; palavras já com seu definido lugar.
Mas, eu só queria te dar algumas palavrinhas – e, salvo pelo hábito, nem sei dizer o porquê disso.
E esse não saber faz delas umas palavras fora do lugar, quem sabe mesmo se palavras sem lugar algum.
Se é assim, onde encontrar palavrinhas para te dar? Palavrinhas que não digam nada, e por isso mais me revelem; palavras que pareçam dizer tudo sem se esqueceram de nada – e isso nada mais é que usar de artificio antigo para falar sem se (sem me) comprometer.
Poderia comprá-las, mas sou velho demais; de um tempo em que se faziam as roupas num alfaiate que tirava as (minhas) medidas (pequenas medidas, muitas das quais, com o tempo, não abandonaram a pequenez).
Sendo assim, arrisco-me a eu mesmo cortá-las, sob medida, desse meu jeito desmesurado, sobre teu corpo, correndo o risco (e correndo, se ele realmente ocorrer) de te ferir, de ferir o corpo...da palavra nessa minha tentativa de costurá-las com exclusivo destino, valendo-me das linhas sem conta que seguem enroladas em meus dedos, a ponto de apagarem as digitais.
Como anestesia, antes dessa operação arriscada, poderia te dar palavras tão doces que haveriam de entorpecer teu paladar, ou amargas demais, com a mesma consequência “saborosa”. Prefiro, no entanto, fazer tudo mesmo a sangue-frio, embora o teu, no corpo sobre o qual as palavras serão cortadas, deva estar já bem quente, na iminência de algum erro a ser cometido por estas minhas mãos inábeis.
Deixemos de terrorismo! Digamos logo que o pior já passou. As palavras (sentiste-as?) já foram talhadas, mas não ficam sob medida. É que para se ajustarem a ti elas precisarão, a todo instante, ser re-cortadas.
Tudo o que consegui, de verdade, foi tramar umas linhas e costurar algumas frases fora do seu lugar, só para te dar uma(s) palavrinha(s).
Não servem para nada. E a carapuça me cabe, caso digas, depois de tudo isso aqui, que eu é que não sirvo para nada – o que, sejamos justos, não é a mais pura verdade. Eu sirvo para te lembrar, mesmo que isso esteja já tão fora de moda: lembrar, claro, pois o “te” ainda me deixa...sem palavras.
CHICO VIVAS
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
A ESCOLHA É LÓGICA
Na minha infância, coisa que já vai longe no tempo, não era raro, considerando que então as mudanças não andavam na velocidade contemporânea, ver nas casas (nas sinceramente mais piedosas e naquelas que, com hipocrisia bíblica e atemporal, levavam em conta as aparências) um genuflexório: o que, a olhos pequenos, parecia uma estranha cadeira, com seu “assento” demasiadamente baixo, mesmo para uma criança, e um encosto hiperdimensionado, visto assim até que esses mesmos olhos aprendessem que o tal assento era para os joelhos, com acolchoado diretamente proporcional à necessidade de cada um, autoimposta ou vinda de terceiro com essa legitimidade canônica, à custa das rótulas, de purgar seus pecados. Hoje, facilmente, se enxergaria aí – apesar de ser improvável que os olhos ainda recaiam sobre peça assim – um instrumento (a mais) de tortura, além de um exemplo condenável de masoquismo anacrônico.
Embora a Política tenha uma ciência ad hoc, parece se inscrever mais no rol das paixões humanas – entre as grandes. E alguns se valem justamente da (falta de) lógica que se costuma associar às paixões como prévia prova de inocência, se flagrados no delito de fecharem os olhos a certa evidências, seja em nome do governo de ocasião ou da oposição da vez, intimamente até se justificando (quando o olhar próprio é mais crítico e inclemente que os temidos alheios) com um projeto de longo prazo em que, com maquiavelismo sob medida, os fins assumem sua devida supremacia.
Isso tudo me faz lembrar uma frase, farto delas como ele é, farto dele como jamais fico, de Michel de Montaigne – ele próprio tendo experimentado, sem paixão, reconhecendo-se sem talento natural para isso, a vida política, por duas vezes prefeito de Bordéus: “CABE AO MEU JOELHO DOBRAR-SE, MAS NÃO À MINHA INTELIGÊNCIA CURVAR-SE”.
Chega a ser constrangedor observar como algumas (boas) cabeças – deixai as paixões para o peito, ó cabeças! – insistem em que dobrar os joelhos, isso sim é que é indigna subserviência de um homem: seja a um outro homem ou a um deus qualquer; no entanto, aceitam, com passividade que talvez lhes dê a sensação de carícia num idealismo que tem vergonha de se mostrar em todo seu romantismo, que lhes dobrem a inteligência: seja à direita ou à esquerda – embora isso, hoje, já não faça o menor...”sentido”.
A paixão, que tem seu lugar na vida do homem, é quase sempre uma responsabilidade pessoal, mesmo que envolva mais alguém, já que se apaixonar por si próprio é, entre todas as ilogicidades a que temos direito, a mais sem graça. A política, sobretudo, ainda que não prescinda do ato individual, sendo este uma necessidade formal, é coletivo.
A visão, a um sinal, de uma multidão se ajoelhando, em sincronia de genuflexões carrega alguma beleza plástica, nem que seja por se testemunhar esse raro momento de união, tão apaixonante como a paixão que evola com um grito de gol em estádio cheio, à parte a feiura de qualquer ato, mesmo que em estado de ereta confiança, realizado, compulsoriamente, contra a própria vontade. Deixar a inteligência se dobrar a um dado sinal, sem ponderações equilibradas, é abrir mão da lógica: aquela que garante que sejamos apaixonadamente(!) cidadãos.
CHICO VIVAS