terça-feira, 3 de novembro de 2009

ÁVIDA VIDA VIDEIRA




Novidadeira como ela só, a natureza, não é de hoje, nos brinda com nome assim.

Mas o fruto da videira, sabe-se, não é a vida em si, dada em cachos, como se pudéssemos colher, diretamente da natureza, num pomar cultivado, seja para uso doméstico, seja com intenções comerciais, de revenda, pencas de vidas, chupando de cada uma tudo que possam (nos) dar, desidratando-a do seu sumo, deixando-a na casca, cuspindo longe seus caroços (sementes para outras tantas vidas, que assim desprezamos por termos tantas à nossa mão, bastando um leve levantar de braços para alcançar toda a vida que se quer); ainda que certas vidas sejam consumidas com casca e tudo – e é na casca, dizem os que entendem de vida, em que se encontram algumas das substâncias mais benéficas.

Assim a vida nos brinda, mesmo que não tenhamos tantos motivos para brindar, ao longo dela, cuspidos, eventualmente, para longe, caroços em pleno desprezo, consumidos de tudo o que trazemos de polpa em nós. Em vida, os brindes chegam a ser menos a expressão sincera de votos para alguém, e mais a desculpa de que precisamos para legitimar a bebida, para nos esquecermos da vida, sorvendo, massacradas as uvas, todo seu sumo, preferencialmente – dizem que é especialmente saudável – aquele que exibe, sem pudor, seu tom rubi, tão próximo da metáfora do nosso sofrer, embora igualmente assemelhado das nossas paixões, talvez porque essas também possam nos fazer sofrer: e aí, haja vinho, e nem precisam ser de boa cepa as uvas, já que não se tem mesmo o que se comemorar.

Mas, admitindo-se que a vida pudesse ser plantada, cultivada, colhida em safras extraordinárias, quantas, numa época de excessos, valendo, sobretudo, o tino comercial daqueles que são muito “vivos” [e este não é o meu caso pessoal], não seriam ceifadas, ainda no pé, deixadas essas vidas apodrecendo nos cachos, só para forçar um aumento no preço? E o que, em dias de escassez, não seriamos capazes de fazer (com a nossa) para conseguirmos um cacho de vida, até não nos importando de que estejam além do ponto, comidas por bactérias que não sabem apreciar o “sabor de uma vida”, e para as quais tanto faz uma vida doce quanto uma vida amarga, pois elas consomem, seguindo sua natureza, a vida por ser isso, e não pelo gosto que tem?

Tão difícil, a essa altura da semeadura, quando encontrar um outro nome para a videira é achar um outro sentido para a vida.


CHICO VIVAS

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