sexta-feira, 13 de novembro de 2009

MIL DESCULPAS: HOJE É O DIA DA GENTILEZA




Os mais nostálgicos de outros dias, sempre com a crença, entre poética e pueril, de que “naquele tempo” tudo era melhor, ainda que tal nostalgia se refira a uma vaga saudade de um ontem tão próximo, porque ir além, retrocedendo mais no calendário, pode significar uma injustificável perda de tempo, pois esses bradam (embora insistam, com uma moderação que pode se mudar em intolerância, caso não consigam convencer de imediato, que somente levantam a questão, quase sussurrando), bradam sim contra os males da vida moderna, incluindo aí a pressa, sem se darem conta que dela não são apenas vítimas, mas seus contumazes praticantes.

Não alterando (exteriormente) o tom de voz, mas talvez já gritando em seu íntimo, alguns hão de proclamar que “ele [eu, na verdade] já foi longe demais, já disse tudo”, tendo eles próprios sido, até aqui, suficientemente tolerantes comigo, sempre em nome da gentileza, o que, a seu ver, numa reciprocidade que alimentará as relações cordiais, torna-me devedor, devendo, portanto, lhes retribuir dando por findas estas palavras, já que prosseguir, a essa altura, há de se configurar, de minha parte, como roubo do tempo alheio, notável grosseria, deixando-os assim livres para tirarem suas conclusões, como a que lhes parece mais óbvia, qual seja a de que é desse modo que eu os recompenso pela gentileza (sabe Deus o preço que pagaram por isso) de me terem escutado.

Comumente, associa-se o ato de ser gentil ao tempo de sobra, como se cada ato desses sempre devesse ser praticado em câmera lenta, caso contrário poderá ser tomado como uma indelicadeza, ainda que, no fundo, mal contendo a irritação disfarçada por um sorriso pênsil em lábios indisfarçadamente trêmulos de impaciência, considerem como igualmente indelicado o ato de fazer (ou de dizer) as coisas pausadamente, com o pouco tempo que se tem hoje em dia para vagares assim.

Pragmáticos, alguns decidiram que, não se ajustando a gentileza-sem-pressa à pressa que mal nos dá tempo para, perguntados sobre as horas, dizê-las sem sequer pararmos, ou inquiridos sobre como estamos indo, respondermos, sempre indo, sem nos voltarmos, que está “tudo bem”, ao menos se devem cultivar, quem sabe se como reminiscência de dias passados (como se a gentileza fosse propriedade do passado), três expressões, inaugurando assim uma versão de bolso para a prática gentil, como se fosse o resumo (bem resumido) de um bom livro, dando margem a que se fale dele como um leitor minucioso, sem pressa. Ei-las: “com licença”, “por favor” e “obrigado”.

Desculpem-me, gentis, mas cadê as desculpas? Ou será que uma expressão a mais faz desse resumo já um alentado volume, impraticável com nossa habitual correria?

Por favor, repetir fórmulas com o automatismo da impessoalidade não é gentileza!

Agora, com licença, pois tenho mais o que fazer do que ficar aqui, gastando palavras, que isso não enche a barriga de ninguém, embora encha, até a boca, o saco dos outros.

E como todo aquele que tem pressa, sem nem mesmo saber o porquê disso, repito, olhando, só por hábito, o relógio (que sequer uso): muito obrigado.


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