Não existe receita para se viver – para se viver bem, já que, ressalvadas certas excentricidades da nossa natureza estranha, que mantemos escondida ou que está assim, camuflada, mesmo para nós, ao menos até que se revelem, nenhum de nós quer viver mal, mesmo que nem sempre tenhamos o direito de escolher como viver, apesar de alguns acreditarem, ou acreditarem que acreditam nisso, num autoengano confortável, que nossa vida é, rigorosamente, o que fazemos (dela), experimentando, desse modo, um Existencialismo de que sequer conhece o nome.
Curioso é que, embora receitas não haja, o que mais há, nesta nossa vida – cada qual na sua, como recomenda o primeiro mandamento do cada-um-por-si e Deus que assuma a responsabilidade por todos nós – são receitas. Todos nós temos uma, sempre nos baseando em experiências pessoais: positivamente, como se disséssemos, com ar professoral, “façam o que eu próprio fiz, pois isso é tiro certo”, desconsiderando que o alvo de cada um é diferente do outro, mesmo que todos desejemos acertar na mosca; e negativamente, subtendendo-se, aí, que vale a máxima do (é melhor que) façam o que eu digo e não o que eu (já) fiz, não percebendo que tudo de bom que se faz é resultado das próprias vivências, e que só para nós tem algum valor essa arbitrária e maniqueísta classificação, separando-se-as entre as boas e as más, e ainda que sem os percalços (que chamamos de “aqueles fatos que gostaríamos de esquecer”), não seriamos capazes de adjetivar de boas as outras experiências, as que nos deram tanto prazer.
Alguns prescrevem a vida simples, a mais simples que se puder viver, como sendo a receita ideal para a felicidade (porque, digamos ou não, nenhum de nós vive, senão em busca disso): no entanto, esquecem-se de dar a receita da própria vida simples, com o argumento de que é algo tão simples, que não requer nem que se perca tempo com seu receituário.
Outros defendem, com convicção variável, que, simplesmente (e isso não quer dizer que estes já aderiram à receita da vida simples, pregada por aqueles outros), deve-se viver, deve-se ir vivendo, sem muito filosofar (um filósofo, sei lá com que grau de convicção, disse que “viver é aprender a morrer”), sem muito pensar (como se isso fosse possível: e até eu que passo longe de ser um filósofo cartesiano sei disso), sem também dar valor excessivo às coisas, num desprendimento que pode ir do ter somente o essencial (e o essencial de um é o supérfluo do outro, e vice-versa) até abrir mão do que é necessário – e ninguém age assim sem pensar, sem ter alguma filosofia-travesseiro que lhe sirva para amortecer os imperativos de um corpo, em geral, autoritário e voluntarioso.
Há aqueles que vivem por obrigação, porque, dizem, são resultado de um acaso biológico que não lhes pediu permissão para acontecer (afinal, é ou não um acaso?), ou porque consideram esta vida uma (simples) ponte pênsil sobre um despenhadeiro sujeito a tempestades inacreditáveis, a ventos insuportáveis, feito esse estreito caminho (com aparência, às vezes, de ser um largo caminho) com tábuas frágeis, exigindo um equilíbrio de crédulo e uma firmeza sobre-humana.
A minha receita?
Como aquele obeso que, mesmo sabendo, e já tendo sofrido as consequências disso em si mesmo, da precariedade das dietas milagrosas, e não resiste a uma novidade, tentei vários viveres (numa vida “só”), obtendo um êxito que, não duradouro (para o bem da indústria das dietas, para o sucesso do comércio do bem-viver), me levou a outras “tentações”, a ponto de (coisa de desesperado) já ter experimentado “viver sem receita”, não me dando conta de que, assim, vivia seguindo (e segundo) a mais comum de todas as receitas.
Hoje, “vivo escrevendo”. E, em que pese não ser doutor e, portanto, não estar apto para isso fazer (bem), escrevo. Para fingir que sou profissional, escrevo (minhas receitas) de forma quase ilegível: e isso consegue, às vezes, impressionar os que não perdem uma – e se são felizes (ou creem nisso), acharam, enfim, seu ideal de viver.
Nenhum comentário:
Postar um comentário