Se é para falar, é melhor dizer logo, sem adiar, tomada já a decisão, como parece que está, evitando digressões que só atrasam o que, mais cedo ou mais tarde, deverá ser dito: então, que seja o mais cedo possível, sob o risco conhecido de, a cada linha entre a intenção de dizer e o dito afinal, aumentando assim certa ansiedade, quando, enfim, não havendo mais alternativa de se postergar o fato que se toma como consumado, se disser, depare-se com uma simples obviedade, causando, ao mesmo tempo, decepção (diante de tão elevadas expectativas) e, o que deve ser pior, frustração, com aquela incômoda sensação de se ter embarcado numa canoa furada, e não por não se saber, de antemão, dos furos dessa história, até se os percebendo debaixo de disfarces amadores, vendo-se agora na iminência de se testemunhar, sendo a própria vítima disso, uma porção de tempo naufragar.
É por isso que, conhecedor desses truques – apesar de muito usados, até por prestidigitadores sem grande sensibilidade na ponta dos dedos, sem o requerido “tato” para ilusões assim -, não posso e não devo, como um fabricante artesanal de embutidos, usando, portanto, da habilidade adquirida com as mãos, ir enchendo isto aqui com o desnecessário, por mais que um “embutido” só com essencialidades não tenha lá um gosto de deixar cheia de água a boca.
Antes, porém, de dizer a que vim, deixe-me falar desse saber (tanto no que há de transitivo direto, quanto indireto nesse verbo que, alguns não “sabem”, não é somente um conhecimento formal, mas que tem “sabor” próprio), um saber algo infantil que abre um conflito entre, tendo à mão, com certa literalidade doce, uma gostosura finita, devorar tudo de uma vez, perdoável então essa gulodice nos anos poucos, e, ao contrário, ir adiando, com lambidas ou mordidas demasiadamente comedidas para a natural falta de temperança de uma criança, o prazer de encher a boca, alimentando a fantasia (que não enche barriga: aprende-se isso quando já não se é mais (tão) criança) de que, degustando aos poucos, transformaremos, como num passe de mágica, o que tem fim determinado num prazer sem data para terminar.
Ainda saboreio essa (tua) lembrança, apesar de, ironicamente, ser uma que tem por base a infância deixada para trás: e a cada recordação, ela recua ainda mais. Se é verdade que, como num círculo, um dia, os pontos tão distantes se (re)aproximam, eis uma (boa?) justificativa para que eu, em lugar de morder essa lembrança e saboreá-la, e p(r)onto, insista em lambê-la, controlando ao máximo o ímpeto de devorá-la por inteiro, tentando, inutilmente, estender essa corda para além do seu limite: e sei que para se tirar o som de uma corda é necessário que ela esteja bem esticada; no entanto, se assim exageradamente, rompe-se todo o propósito.
Criança ainda gritando em mim, naquele desespero mimado de quem quer porque quer, mesmo já tendo ouvido ser isso impossível, cala-me fundo a intenção de não adiar mais o que tenho – que sempre tive, desde o início – a dizer, mesmo que, claro está, tenha, mais uma vez, criando expectativas, frustrado-as com esta óbvia conclusão: MUITO OBRIGADO!
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