Na minha infância, coisa que já vai longe no tempo, não era raro, considerando que então as mudanças não andavam na velocidade contemporânea, ver nas casas (nas sinceramente mais piedosas e naquelas que, com hipocrisia bíblica e atemporal, levavam em conta as aparências) um genuflexório: o que, a olhos pequenos, parecia uma estranha cadeira, com seu “assento” demasiadamente baixo, mesmo para uma criança, e um encosto hiperdimensionado, visto assim até que esses mesmos olhos aprendessem que o tal assento era para os joelhos, com acolchoado diretamente proporcional à necessidade de cada um, autoimposta ou vinda de terceiro com essa legitimidade canônica, à custa das rótulas, de purgar seus pecados. Hoje, facilmente, se enxergaria aí – apesar de ser improvável que os olhos ainda recaiam sobre peça assim – um instrumento (a mais) de tortura, além de um exemplo condenável de masoquismo anacrônico.
Embora a Política tenha uma ciência ad hoc, parece se inscrever mais no rol das paixões humanas – entre as grandes. E alguns se valem justamente da (falta de) lógica que se costuma associar às paixões como prévia prova de inocência, se flagrados no delito de fecharem os olhos a certa evidências, seja em nome do governo de ocasião ou da oposição da vez, intimamente até se justificando (quando o olhar próprio é mais crítico e inclemente que os temidos alheios) com um projeto de longo prazo em que, com maquiavelismo sob medida, os fins assumem sua devida supremacia.
Isso tudo me faz lembrar uma frase, farto delas como ele é, farto dele como jamais fico, de Michel de Montaigne – ele próprio tendo experimentado, sem paixão, reconhecendo-se sem talento natural para isso, a vida política, por duas vezes prefeito de Bordéus: “CABE AO MEU JOELHO DOBRAR-SE, MAS NÃO À MINHA INTELIGÊNCIA CURVAR-SE”.
Chega a ser constrangedor observar como algumas (boas) cabeças – deixai as paixões para o peito, ó cabeças! – insistem em que dobrar os joelhos, isso sim é que é indigna subserviência de um homem: seja a um outro homem ou a um deus qualquer; no entanto, aceitam, com passividade que talvez lhes dê a sensação de carícia num idealismo que tem vergonha de se mostrar em todo seu romantismo, que lhes dobrem a inteligência: seja à direita ou à esquerda – embora isso, hoje, já não faça o menor...”sentido”.
A paixão, que tem seu lugar na vida do homem, é quase sempre uma responsabilidade pessoal, mesmo que envolva mais alguém, já que se apaixonar por si próprio é, entre todas as ilogicidades a que temos direito, a mais sem graça. A política, sobretudo, ainda que não prescinda do ato individual, sendo este uma necessidade formal, é coletivo.
A visão, a um sinal, de uma multidão se ajoelhando, em sincronia de genuflexões carrega alguma beleza plástica, nem que seja por se testemunhar esse raro momento de união, tão apaixonante como a paixão que evola com um grito de gol em estádio cheio, à parte a feiura de qualquer ato, mesmo que em estado de ereta confiança, realizado, compulsoriamente, contra a própria vontade. Deixar a inteligência se dobrar a um dado sinal, sem ponderações equilibradas, é abrir mão da lógica: aquela que garante que sejamos apaixonadamente(!) cidadãos.
CHICO VIVAS
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