domingo, 2 de janeiro de 2011

OVO-DIA DE UM OVO-TEMPO



Quase imperceptível na alegria de um (novo) começo, ou apenas na autossugestão disso, querendo-se, a todo custo, acreditar numa “novidade” já há muito repetida, está certo alívio com o fim que se aproxima. Sim, porque, tendo já recebido este mundo (de meu Deus) criado, com a assinatura do Artista não apenas num discreto canto, mas em todo lugar, como se Seu (santo) nome fosse, ele próprio, a arte em si, tudo o mais detalhes meramente decorativos, não mais experimentamos começos originais, um que realmente parta do zero, sem que, então, se saiba que caminhos aquilo, ainda em construção, irá tomar, forçados como somos, embora com (aparente) liberdade para fazermos o contrário, mesmo que assim sem muita convicção e só para contrariar, a nos contentar com essas voltas que o mundo dá (quantas já, meu Deus?!) e, a cada uma delas, deixando-nos iludir pela promessa – que não se conhece quem a fez – de que, a partir de agora, daqui para frente, como versos de uma canção, tudo será diferente, juntamos os fragmentos de otimismo, frações de expectativas desfeitas, construindo, ainda que com evidente carência de maiores detalhes, uma esperança, empurrando, ao mesmo tempo, para o fundo do passado, apesar de este estar tão presente, as fadigas do fim ainda tão próximo.


Os que batem no peito, alardeando seu senso de realidade, seu apego ao pragmatismo (este, não raro, atado, numa das pontas, a um pessimismo com ilustrações pseudo-acadêmicas), não se dando conta do quanto esse gesto, o de bater no (próprio) peito, somente retórico, sem função precisa, já contradiz sua propalada ausência de fantasias sobre a vida, na crença, dado o gesto, no valor do coração para além de um pouco plástico músculo pulsante, e tão assim que mais artístico chegam a ser as curvas errantes traçadas ao acaso de uma semelhança anatômica improvável, pois esses mesmos que dizem que tal começo é puro disfarce para as reiteradas continuidades, começo (se podemos lhes falar assim) após começo, “continuam” repetindo o mesmo gesto: e há quanto tempo esse seu peito vem sendo “batido”!...


De fato, passado o efeito estupefaciente de toda expectativa concentrada (como uma esperança que exagerou no seu tom esverdeado), vai-se caindo na real. E há o lado bom dessa mesmice – de cara, renegada -, dessa rotina recorrente: que seria de nós, inclusive dos “batedores de peito” (mesmo que não sejam uns ladrões de corações), realistas sem outra alternativa, se tivessem(os) de, de tempos em tempos, começar tudo de novo, do zero, como um Criador que, dando-se por satisfeito, logo depois, sem que se tenha oportunidade de se experimentar a obra (nem mesmo como espectadores, apenas contemplativos), ei-lo já pondo novamente mãos à obra, incessantemente?


O que (realmente) nos faz acreditar num (re)começo de verdade são as experiências de fins diversos, infindavelmente, ainda que nada, sob este sol, como se sabe, seja para sempre.


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