Um dos itens que não podem faltar numa casa, seja por sua estrita funcionalidade, seja como mero objeto de decoração do ambiente, é o espelho: às vezes, vários deles, embora esse número possa variar, de acordo com os modismos da vez, deixada de lado aqui a metáfora (ou será uma hipérbole?) sobre as “muitas caras que cada um de nós pode ter”.
Todo espelho, mesmo que não se pare para se “refletir” a esse respeito, por se considerar talvez um assunto óbvio demais, é, sobretudo, um objeto de “reflexão”. Há, entre eles, alguns que, dado seu posicionamento no espaço, a forma com que a luz, natural ou artificial, incide sobre ele, parecem amenizar nossos traços, mostrando-nos de forma mais benevolente: o ideal para aqueles momentos em que desejamos um afago, ainda que, nesse caso, ele não nos venha num toque caricioso ou em palavras doces, mas numa imagem mais suave de nós mesmos. Outros há que, como se “irônicos”, ou até mesmo cruéis, insistem não apenas em nos revelar como (supõe-se que) somos, mas exageram ao extremo aqueles sinais que preferiríamos esconder, inclusive de nós próprios, num autoengano que, se não tem vida longa, por ora, nos basta – e isso é, então, suficiente: e tais sinais não são somente as marcas sobre a pele, especialmente a do rosto, mas, e principalmente, as marcas do caráter.
Está claro que, entre os dois tipos, o espelho mais amigável ganha nossa simpatia imediata, recorrendo-se sempre a ele. No entanto, se precisamos nos apresentar rigorosamente impecáveis, não querendo ser flagrado com um defeito que pode ser ao menos maquiado, é àquele outro, ao “espelho cruel” que vamos: porque sabemos que, por mais que nos seja difícil encarar as verdades, isso é melhor (ou menos pior) do que não percebermos, a tempo, defeitos que logo ficarão à vista de todos.
Quando duas pessoas se unem, ainda que escolham não ter espelhos em casa (na prática, há sempre algum, ainda que disfarçado na superfície polida de um talher), elas se transformam, uma para a outra, num espelho.
Dizem os observadores das relações interpessoais que, no começo, são como espelhos agradáveis que, num acordo tácito, refletem-se, mutuamente, projetando no outro o melhor de cada um. Com o passar do tempo, vão-se tornando mais “sinceros”, podendo chegar mesmo à crueldade.
Que fazer, então?
Negar-se em se relacionar com o outro, pelo temor de, num dia, ver-se refletido(a) de um jeito que não se quer, ou aceitar os relacionamentos, mas somente enquanto o (tal) espelho (que é o outro) for “bonzinho”, tirando (aqui, literalmente) o corpo fora, antes que a verdade, que também pode ser dita de modo suave, venha à tona?
O bom dos relacionamentos é que nunca se sabe, ao certo, a hora exata em que se passa de um espelho para o outro e, assim, vai-se avançando, aprendendo-se que os traços suaves perdem a suavidade, ganhando aspecto mais “marcante”: e que a isso que se chama de...história.
Afinal, que graça teria uma história a dois escrita por apenas uma mão?
CHICO VIVAS
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