terça-feira, 12 de outubro de 2010

O QUE (TE) DIZER?






Queria mesmo te dar uma “palavrinha”, mas (será que só as minhas?) as palavras têm todas o seu próprio lugar: são palavras ou de amor ou são palavras inchadas de um amor apodrecido, embora suculento ainda na aparência “jovial”, porém, ao serem “exprimidas”, geram um suco ralo, ainda que potente, de ódio, de mágoas em cachos; são palavras de consolo que, quando ditas (ou escritas) por dizer, em nada consolam a quem isso deveriam fazer, consolando tão-somente, às vezes, a consciência de quem as diz (ou as escreve) e que, quando sinceramente vividas, fazem até esquecer o motivo da dor; são também palavras de ânimo ditas, não raramente, sem a preocupação de que quem as ouvirá (ou venha a lê-las) esteja mais precisando de um silêncio animador. Não finda a lista, são palavras calmas – ditas sem pausas restauradoras; são palavras de despedida que não têm coragem de dizer adeus logo de cara; são palavras de boas-vindas porque se é covarde então para fazer uma festa com balões coloridos tão ao gosto de uma infância agora envergonhada, com alto-falante, banda de música vestida como se os músicos fossem soldadinhos de chumbo, e torcida organizada: tudo isso em público; são palavras que acompanham eventualmente rosas, mas torcendo-se para que sejam vistos os espinhos, talvez por neles se concentrarem, tacitamente (nem por isso de modo menos agudo), as palavras que realmente se quer dizer, embora se tenha dito outras, róseas na aparência floral, sendo mais profundos os espinhos-em-palavras do que os naturais, agarrados ao talo. Rol que parece não querer acabar mais, são palavras compradas prontas, sob medida para qualquer corpo, deixando ao próprio corpo a responsabilidade de se ajustar a elas, e não talhadas sobre esse mesmo corpo, preservando a individualidade de cada um(a): e tecer palavras diretamente sobre o corpo (mesmo que num corpo “comprado”) é prazer já tão desusado quanto a arte da alfaiataria com exclusividade; são palavras sem fim...são palavras para tudo; palavras já com seu definido lugar.

Mas, eu só queria te dar algumas palavrinhas – e, salvo pelo hábito, nem sei dizer o porquê disso.

E esse não saber faz delas umas palavras fora do lugar, quem sabe mesmo se palavras sem lugar algum.

Se é assim, onde encontrar palavrinhas para te dar? Palavrinhas que não digam nada, e por isso mais me revelem; palavras que pareçam dizer tudo sem se esqueceram de nada – e isso nada mais é que usar de artificio antigo para falar sem se (sem me) comprometer.

Poderia comprá-las, mas sou velho demais; de um tempo em que se faziam as roupas num alfaiate que tirava as (minhas) medidas (pequenas medidas, muitas das quais, com o tempo, não abandonaram a pequenez).

Sendo assim, arrisco-me a eu mesmo cortá-las, sob medida, desse meu jeito desmesurado, sobre teu corpo, correndo o risco (e correndo, se ele realmente ocorrer) de te ferir, de ferir o corpo...da palavra nessa minha tentativa de costurá-las com exclusivo destino, valendo-me das linhas sem conta que seguem enroladas em meus dedos, a ponto de apagarem as digitais.

Como anestesia, antes dessa operação arriscada, poderia te dar palavras tão doces que haveriam de entorpecer teu paladar, ou amargas demais, com a mesma consequência “saborosa”. Prefiro, no entanto, fazer tudo mesmo a sangue-frio, embora o teu, no corpo sobre o qual as palavras serão cortadas, deva estar já bem quente, na iminência de algum erro a ser cometido por estas minhas mãos inábeis.

Deixemos de terrorismo! Digamos logo que o pior já passou. As palavras (sentiste-as?) já foram talhadas, mas não ficam sob medida. É que para se ajustarem a ti elas precisarão, a todo instante, ser re-cortadas.

Tudo o que consegui, de verdade, foi tramar umas linhas e costurar algumas frases fora do seu lugar, só para te dar uma(s) palavrinha(s).

Não servem para nada. E a carapuça me cabe, caso digas, depois de tudo isso aqui, que eu é que não sirvo para nada – o que, sejamos justos, não é a mais pura verdade. Eu sirvo para te lembrar, mesmo que isso esteja já tão fora de moda: lembrar, claro, pois o “te” ainda me deixa...sem palavras.


CHICO VIVAS

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