quinta-feira, 14 de outubro de 2010

TONS DE CHICO













Amigo, assim se canta na América, é coisa para se guardar no lado esquerdo do peito...de um Milton Nascimento. Mas, e os que já têm no próprio Milton um amigo, onde será (porque “Que Será?” é coisa de outro amigo do Milton, e eu não sou exatamente esse Chico) que guardam?



Falando nisso – “porque palavras são palavras e a gente nem percebe o que disse sem querer” –, e o guarda de trânsito, e que não o é desde seu nascimento, podendo se chamar, por coincidência, Milton, um que sequer guarde de memória qualquer canção de uma América “fantástica”, talvez cantarolada em baixo-saxão, ou qualquer canção do Chico, e que nem me tem, a mim, como seu amigo, ele guarda seus próprios amigos no peito daquele Nascimento – que o é desde que nasceu – ou será que ele tem seu próprio lugar (quem sabe se no seu coração) para guardá-los, um lugar onde guarda não haja dizendo que é da lei se manter à esquerda, batendo no peito, ou às direitas, fincando pé nas regras concertadas?

Há quem ache providencial ter num guarda assim, em trânsito, um amigo, menos pensando em sua proteção em dias de muito sol na cabeça ou quando a chuva cai (e não uma chuva de amigos do peito), e bem mais para o caso de parar seu carro em local proibido, acreditando que por ser seu amigo (nessa hora, amigo daqui, do peito, ainda que acabe, mal-treinado em sinceridade, batendo do lado direito, portando, às avessas do coração, seja porque não conhece sua própria anatomia ou porque amigo assim só se guarda mesmo para casos de necessidade legal, não importando de que lado então se esteja), o guarda não andará, como se espera, às direitas, só para dar passagem a esse amigo, companheiros passageiros que nem sabem seu nome de cor, capazes que são de nos chamar de Zé, como se chama a um suposto amigo qualquer, não lembrando, se é que um dia deu ouvidos a isso, que nos chamamos Chico, nome tão comum como qualquer Zé, ou que somos, sem muitas nuanças, um Milton que, como outros, venham estes a ser guardas ou não, hão de ter ouvido lá pelos idos do seu nascimento uma canção...de ninar.

Mas, voltando(-nos) ao guarda, fazendo, aqui, retorno em local permitido, ele pode até fazer cara de poucos amigos diante dos que, na verdade, não o são (seus), para evitar que estes lhe chamem, com cara de quem fala com um velho amigo, de Zé (e vai que o guarda é mesmo um tanto José?!), ou à frente de um (re)conhecido amigo mantém sua postura, para deixar claro que, apesar de reconhecê-lo (sem precisar fechar os olhos para isso) no peito, no lado convencionado, como uma universal placa de trânsito, no esquerdo, tem de agir direito, como manda o figurino de guarda: mas vai que justamente nesse instante do encontro entre esses dois amigos – um tendo cometido uma falta e esperando compreensão do amigo-guarda, o outro guardando de memória todas as leis de trânsito –, compreendendo a expressão do amigo, porém, tendo de agir como desentendido, e vai ainda que no rádio do carro flagrado em falta esteja tocando, entre as muitas canções que se fazem na América, aquela que, como se abrisse o peito com notas bem “cantadas”, revela onde se guardam os amigos, vai que um dos dois, guarda (dos seus deveres) e contutor-em-erro (no seu autoatribuído legítimo direito de virar às avessas um amigo), se chame Milton, e que ambos se conheçam desde o nascimento, tendo até partilhado a mesma canção de ninar, adormecendo seguros de que mesmo assim, sem verem um palmo adiante, não haveria “choque”...

...E vai, e vem, e a canção toca e chega ao fim como se fosse... E lá vem outra (Que Será?), como se o mundo fosse um disco sem fim, não se sabendo ao certo quantas voltas ele pode dar...
Não será preciso abrir o peito do guarda (apesar dessa sua atividade estressante, atacado de todos os jeitos) para se descobrir o trânsito dos amigos no coração de um homem, independentemente do nome, do renome, do codinome (Beija-flor, meus amigos, já é outra ave nesta minha cantilena): amigos sempre têm trânsito livre – o que não os autoriza a infringirem as lei próprias a essa “estrada”.

Amigos têm direito garantido à compreensão (mútua), desde que isso não seja um pedido para se fechar os olhos (já não temos aquela confiança infantil na ausência de choques). Amigos, mesmo que tenham poucos de seus, fazem cara de muitos amigos, se precisamos da ilusão da quantidade e,ainda que tenham para si uma porção incontável deles, podem também fazer cara de poucos amigos, talvez até de apenas um, se tudo o que desejamos é a ilusão da unidade de uma cara feliz.

Guarda contigo... mesmo que já não recordes toda a letra dessa canção.

CHICO VIVAS

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