segunda-feira, 31 de outubro de 2011

IDEIAS VAGAS






Um cão vadio vagueia – e não é preciso dizer o quão vagamente. Se isso não, é preciso, sim, dizer-se que se pode vagar sem toda essa lentidão, porque não é a pressa com que se vai, ou não, não se sabendo para onde, que determina o vagar (por aí), sendo mesmo possível que se vague apressadamente, ainda que isso deixe, a outros olhos – talvez a vagarem –, a impressão de que aquele, cão ou não, que assim vai, com tamanha pressa, não pode perder tempo, não o tendo sequer para, com seus próprios olhos, vagar.

Como já disse tanto, um pouco mais: a respeito do cão, dito vadio, e isso porque ele vagueia, como se todo vaguear fosse o bastante para se decidir sobre se este ou aquele, cão ou não, é vadio. E se for, para o cão, esse vadiar, todo o labor a que está destinado? Nesse caso, não poderemos insistir em o chamar de vadio, ainda que possamos especular por que, sendo isso seu destino, ele vadia tão vagamente, tão devagar, como se não tivesse pressa em viver.

Na verdade, se houver restos de alguma, aqui, tudo isto encerra, já de início, um erro. E este não é outro, senão que ao se dizer do cão que era vadio, o que se queira mesmo dizer era outra coisa: que ele era vazio. Assim, a alguns olhos, sempre vagueando por aí, a ponto de terem-se posto sobre isto aqui, erro há agora, pois não se compreende, compreendendo-se que se chame um cão de vadio, que haja um (cão – ou será que não?) que seja, realmente, vazio, a menos que se queira abstrair, atribuindo-lhe emoções que não lhe são próprias, emprestando-as, a ele, de nós mesmos, nós que podemos ser vazios, ser vadios, vaguear por aí, lenta ou apressadamente, não sendo possível, no entanto, que sejamos cão, a não ser por nossa própria abstração, a que nos faz nos atribuir uma condição que não nós é pessoal.

Talvez fosse melhor deixar esse cão de lado, sequer o acompanhando, com olhos vagos, num testemunho de para qual lado ele irá, nessa sua vadiagem sem outros recursos, com o passo que a natureza impõe, e me ater mais a esse vazio que me toma, que me faz lançar mão – quase a, literalmente, agarrar o cão – do livre caminhar de uma personagem, aqui, demasiado vaga, na tentativa, pela pressa que tenho, desesperada de, juntando diversas impressão de patas no solo, contar uma verdadeira história de cão.

Na verdade, dentro de mim, esse cão não tem com sair (da história).

CHICO VIVAS

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