quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A SESSÃO VAI COMEÇAR







Quem já viveu bastante – embora, para nossa humana condição, com tantas ambições e projetos a serem cumpridos, nunca seja demais viver – sabe bem o que é um circo. Provavelmente, a mais clássica das bagunças, devidamente organizada, segundo critérios muito próprios, a ponto de ter-se tornado metáfora, sempre na ponta da (nossa) língua, quando, diante de uma situação sobre a qual não exercemos imediato controle, perguntarmos, já sabendo, de antemão, a resposta: “que circo é esse”?!


Mas, antes do espetáculo propriamente dito, é preciso armar o dito circo: e isso, na minha memória, passa ao largo da ação organizada e empresarial de um Cirque du Soleil, com sua pontualidade (canadense?), com seu fausto pictórico e com toda sua pirotécnica tecnológica. O “meu circo”, antes de, efetivamente, se instalar, manda sua vanguarda – operários agora que, mais tarde, serão também mágicos, malabaristas, trapezistas, domadores de feras; afastadas, circunstancialmente, dessas tarefas, as mulheres, mesmo as eventualmente barbadas.


Primeiro, escolhe-se o lugar: amplo, sem aclives ou declives, e mais plano possível; longe o bastante para não atrapalhar a vida da cidade, perto o suficiente para atrair o público. Depois, é limpar o terreno; cravar, sem dó, as estacas, levantar os mastros e içar a velha lona remendada de tantas jornadas a fio.


Enfim, o espetáculo está pronto, como tem estado há gerações, quase sem alterações significativas nas piadas, nos truques, e até nas lágrimas que os dramas circenses arrancam, mesmo de corações tão contemporaneamente duros.


Uma hora, o circo tem de ir... E o que deixa para trás é sua presença virtual, nas marcas no chão, até, ao menos, que o tempo, a melhor das motoniveladoras, apague aquelas lembranças para dar lugar a outras.


Um dia, amigos estão sempre juntos: rindo junto, como se um ao lado do outros num circo constante; em alguns casos, chorando juntos, porque isso também faz parte do espetáculo de viver. Outro dia, como se cada um, vindo de mesmo circo, tivesse que experimentar cada qual a sua aventura de criar o próprio show, deixam de rir ou chorar juntos. No entanto, ficam marcas...

Algo do meu “terreno” já foi limpo, e muitas vezes: e, com isso, muita memória se foi. Porém, não preciso de muito esforço para ver ainda as marcas que você deixou – quando rimos juntos; quando choramos juntos.


Sei que você precisa de uma plateia cheia e não apenas de lugares vendidos, sem a respectiva presença do público pagante. Perdoe-me a ausência nas “sessões” do teu circo. Saiba, contudo, que quando rio – já não é um mar de risos, mas ainda dá para fazer, de vez em quando, uma “onda” -, deveria pagar direitos autorais a você, porque o que faço é imitar os muitos espetáculos de alegria que me proporcionou.


E meus aplausos pela continuidade das tuas mágicas (porque viver é um grande mistério; o truque, ao mesmo tempo, mais velho do mundo e ainda o mais insondável de todos) está garantido, mesmo que em lembranças distantes ou em orações caladas.


Beijos. Saúde!


CHICO VIVAS

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